Estudo do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP constata que setor paga pelo gap dos anos 1980
O número de cursos de engenharia no Brasil deu um salto em uma década. De 150 que havia no início dos anos 1980, passaram a 650. Segundo o Observatório de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora, formaram-se em 2012 mais de 54 mil engenheiros no país. Em 2011, haviam sido 45 mil – 152% mais que uma década antes (18 mil, em 2001). Porém, o que preocupa é que nada menos que 40% dos engenheiros se diplomam atualmente em cursos mal avaliados, com notas 1 e 2 no Enade.
O problema levou o Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP a questionar a qualidade das escolas de engenharia. Parte da conclusão foi publicada em um artigo no jornal Folha de S.Paulo, intitulado Escassez de engenheiros no Brasil? Uma proposta de sistematização do debate. Para aprofundar o assunto, o professor Mário Sérgio Salerno, que coordena o observatório, e participou do estudo sobre mercado de trabalho e nível do ensino de engenharia no Brasil, concedeu a entrevista a seguir. Confira:
O senhor e outros especialistas assinaram recentemente o artigo Escassez de engenheiros no Brasil? Uma proposta de sistematização do debate. O tema trata da qualificação dos engenheiros. A pergunta é: temos muitos engenheiros, mas poucos são qualificados?
No debate tem duas análises. A principal, que aparece no debate público via imprensa, é sobre a falta de engenheiros. Esta é a reclamação básica. Mas quando se vê os números não há uma falta de engenheiros como existe falta de médicos. A escassez de médicos, efetivamente, é um problema, mas engenheiros não. Isso faz com que sigamos estudando para descobrir o verdadeiro problema. Conversando com algumas empresas, principalmente com os gerentes de desenvolvimento de produtos, a reclamação é que faltam engenheiros experientes. O que é um engenheiro experiente? É um engenheiro com vários anos de carreira – dez, vinte anos. Localizamos um gap geracional, nos anos 1980, quando a formação de engenheiros caiu. Então estes engenheiros, que seriam os engenheiros experientes para liderar projetos, não estão no mercado. E não tem o que fazer. Mas vai passar. Esta situação é o tempo que vai resolver.
No caso específico da engenharia civil, o cenário é mais grave?
Não dá para abrir os dados por especialidade. Mas nada leva a crer que seja muito diferente. A engenharia civil enfrentou o problema de que, durante muitos anos, a construção de obras públicas e habitacionais ficou relativamente estagnada. Sem mercado, a procura por cursos de engenharia civil caiu muito. Recentemente, com o reaquecimento da construção civil, através de programas como Minha Casa Minha Vida e investimentos em infraestrutura, este cenário se alterou e a procura por cursos de engenharia civil também. A ponto de na USP, na Escola Politécnica, o curso de engenharia civil tornar-se a modalidade mais procurada. O que não acontecia há décadas. Agora, independentemente da demanda, faltam os engenheiros líderes. Seja na civil, na engenharia naval, na de produção, elétrica etc.
Por causa desse cenário que o senhor explanou, aumentaram os cursos de engenharia civil e o número de jovens matriculados. Mas como será quando esses jovens forem ao mercado do trabalho. A situação tende a melhorar ou piorar?
Com o passar do tempo tende a melhorar. Nós estamos falando de profissionais experientes, certo? Com o passar do tempo, esse engenheiros se tornarão experientes.
E quanto à qualificação dos engenheiros, qual o grau de responsabilidade das universidades?
A formação é uma coisa muito mais complicada. O Brasil tem problemas de formação de profissionais em geral. Os estudantes do país têm um desempenho fraco no fundamental 1, no fundamental 2 e no ensino médio e também em algumas faculdades.
Seria necessário reavaliar a grade curricular dos cursos de graduação?
O problema não é este. Hoje, os bons cursos de engenharia do país têm uma grade relativamente parecida. Eu conheço vários. Trabalho na USP e troco informações com a UFRJ, com a UFMG, com a UFRGS, UFPE, com as quais a gente se compara. A gente se compara também com o exterior. Não tem muita diferença. Os cursos são mais ou menos iguais.
O que é recomendável para que um estudante de engenharia forme-se um bom engenheiro?
Tem que estudar muito e não se deixar levar por teses de que existe diferença entre o ensino prático e o ensino teórico, pois a base conceitual que ele vai levar para a vida toda não volta mais. Se o estudante não souber calcular, jamais será um bom prático. Por isso, sugiro que deixe para fazer estágio no final do curso. É importante também ver os convênios que a universidade mantém. Na Poli, há um curso conjunto com Stanford, na Califórnia, que é considerado o melhor lugar para desenvolvimento de produtos – lá tem o Vale do Silício. Esse convênio propõe um conjunto com aulas aqui (Brasil) e lá (Estados Unidos) onde os alunos vão e voltam. Stanford é uma das universidades de engenharia mais eficientes que existe, pois tem curso com laboratório. Lá, os alunos põem a mão na massa. Só que, ao lado disto, o estudante precisa saber física e precisa saber matemática. Como disse, sem uma boa base conceitual não vai haver um bom engenheiro prático.
O problema de qualificação também não estaria relacionado às chamadas décadas perdidas de 1980 e 1990, quando muitos engenheiros migraram para outras áreas, sobretudo a financeira?
Isso também se fala e estamos iniciando um estudo para tentar verificar se é verdade. Porém, se um engenheiro migrou para o sistema financeiro não quer dizer que ele não continue engenheiro. Há muita atividade de engenharia em banco. Tem atividade de sistemas, tem projeto de produto, tem controle financeiro e, inclusive, em construção civil: reforma de agência, construção de agência, sem contar que vários bancos têm empresas de engenharia. Então, precisa tomar um pouco de cuidado com esta associação. Quem dita isso é o mercado de trabalho.
Qual o tempo de maturação para que se forme um bom engenheiro?
O curso de graduação dura cinco anos. Hoje há muitos indo fazer especialização no exterior por mais um ano, após a graduação, antes de ingressar no mercado de trabalho. Quando, entra em uma empresa, o jovem engenheiro vai precisar entender a companhia e os projetos antes de aplicar seus conceitos. Diria que a experiência prática leva uns dez anos para maturar.
Entrevistado
Mário Sérgio Salerno, professor titular do departamento de engenharia de produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde coordena o Laboratório de Gestão da Inovação. Também é coordenador do Observatório da Inovação e Competitividade do Instituto de Estudos Avançados da USP
Jornalista responsável: Altair Santos
Fonte: Massa Cinzenta
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