Mesa redonda  discute “Estratégias Tecnológicas da Desinformação” Por Laura Simões Camargo e Rodrigo Brandão

Por 9 de setembro de 2021Destaque, discussao, Highlights

 

Mesa redonda  discute “Estratégias Tecnológicas da Desinformação”

Por Laura Simões Camargo e Rodrigo Brandão

Pesquisadoras da área de Humanidades do C4AI USP-FAPESP-IBM – processo nº 2019/07665-4

 

No dia 19 de agosto de 2021, a área de Humanidades do C4AI – Center for Artificial Intelligence (parceria USP-FAPESP-IBM) promoveu a mesa redonda “Estratégias Tecnológicas da Desinformação”. O evento foi realizado em parceria com o Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade (NAP-OIC), com sede no Instituto de Estudos Avançados da USP, e teve o apoio da Cátedra Oscar Sala e do grupo de pesquisa JDL – Jornalismo, Direito e Liberdade.

Na ocasião, Nina Santos (pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital e do Centre d’Analyse et de Recherche Interdisciplinaires sur les Médias – Université Paris II) e Miguel Lago (pesquisador da School of International and Public Affairs, da Universidade de Columbia e da École d’Affaires Publiques de Science Po Paris) discutiram o enorme crescimento da desinformação, um fenômeno que tem sido acompanhado pela expansão de práticas antidemocráticas. A moderação foi feita por Eugênio Bucci (professor da ECA-USP e coordenador acadêmico da Cátedra Oscar Sala).

Em sua apresentação, Santos apontou que, para entendermos as novas dinâmicas informativas, precisamos analisar a dimensão do sujeito – ou seja, das escolhas, percepções e emoções – e também a dimensão estrutural da organização tecnológica. Atendo-se à segunda dessas duas dimensões, a pesquisadora explorou os modos como as próprias plataformas digitais e os propagadores da desinformação procuram escondê-la (a desinformação) nos caminhos das estruturas tecnológicas digitais e, assim, torná-la invisível aos usuários das plataformas e ao escrutínio público.

Santos destacou, inicialmente, que as plataformas digitais possuem seus próprios interesses comerciais e sociais, os quais impactam a circulação das informações que nelas transitam. Sob essa óptica, as plataformas não seriam um terreno plano e neutro, como elas procuram se projetar, em que emissores e receptores de informação podem interagir diretamente uns com os outros, mas sim intermediadoras menos visíveis (e, portanto, menos criticáveis) do que os intermediadores tradicionais, como, por exemplo, os jornalistas. Esses novos mediadores vêm promovendo a fragmentação da informação, uma vez que, fazendo-se valer de tecnologias emergentes, customizam os conteúdos que proveem a seus usuários, e o fazem por lógicas e regras privadas que pouco conhecemos. As plataformas não nos permitem saber, por exemplo, como determinam se um dado conteúdo é, ou não, informativo, como estabelecem qual será o alcance desse conteúdo, e como recompensam os responsáveis por sua produção.

Indo além, Santos abordou como os atores que propagam desinformação lidam com as lógicas internas (e opacas) das plataformas. A pesquisadora apontou que os atores desinformativos apostam na volatilidade dos conteúdos que propagam para fazê-los durar mais tempo nas redes. Esse movimento aparentemente contraintuitivo, que alcança a perenização por meio da volatilidade, é possível, explicou Santos, por conta do caráter multiplataforma dos ambientes digitais, o qual garante aos conteúdos em questão uma circulação muito rápida por redes diferentes e, corolário disso, a possibilidade de escapar da moderação da rede em que foram originalmente publicados. Como se vê, a desinformação possui lógicas orgânicas de circulação, as quais, seguiu a pesquisadora, são complementadas por lógicas inorgânicas, notadamente a disposição das plataformas de monetizar conteúdos que atraem a atenção das pessoas, a despeito de serem, ou  não, desinformativos. Esse tipo de conduta tem impacto sobre a democracia. Por essa razão, concluiu Santos, o funcionamento das plataformas deve ser transparente, tornando possível, assim, o exercício de controles sociais e institucionais sobre elas.

Lago, por sua vez, explorou o papel das tecnologias emergentes na estruturação das informações que circulam entre representantes e representados. O pesquisador destacou que tecnologias como a inteligência artificial não são boas ou ruins por essência, mas que, sobretudo no âmbito das mídias sociais, elas vêm sendo usadas para promover a polarização ideológica e o populismo. As mídias em questão, apontou Lago, não só projetam a ideia de que são a “voz legítima” do povo, como possuem uma dinâmica de funcionamento parecida à do populismo, qual seja, colocar em contato somente pessoas com os mesmos interesses e, assim, criar bolhas que se retroalimentam.

Junto a isso, notou o pesquisador, está a permanente miscigenação entre os ambientes online e offline, que vem fazendo com que as pessoas percam o entendimento sobre aquilo que é realidade e o que é virtual. Nesse contexto, a desinformação possui papel central, pois ela se mostra eficiente para deslegitimar os posicionamentos das autoridades – sejam elas políticas, científicas ou religiosas – e, assim, transformar os posicionamentos dessas figuras em meras opiniões. Graças a essa dinâmica, personalidades que se mostram capazes de agregar muitas pessoas em torno de si próprias vêm conseguindo o status de autoridade em assuntos diversos, mesmo não se mostrando capazes de fundamentar seus posicionamentos em nenhum deles.

No campo político, observou Lago, a primazia da opinião em detrimento de qualquer argumento fundamentado vem alterando a relação de consentimento entre representantes e representados. Nesse sentido, Bucci, recorrendo ao pensamento de Hannah Arendt, lembrou à audiência que a liberdade de opinião – e não apenas a opinião em si – é uma farsa quando a opinião não está embasada em fatos e acontecimentos, por se tratar de uma liberdade que não procura agregar conhecimentos com vistas à tomada decisões racionais.

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