“A Robótica Está Chegando na Escola, no Hospital… na nossa Casa! Estamos Preparados?”

Por 15 de outubro de 2021

Por Rodrigo Brandão (Coordenador do OIC/IEA/USP e Pesquisador da área de Humanidades do C4AI USP-FAPESP-IBM) e Guilherme Giuliano Nicolau (Cientista Político)

 

No dia 17 de setembro de 2021, o Núcleo de Apoio à Pesquisa Observatório da Inovação e Competitividade (NAP-OIC), com sede no Instituto de Estudos Avançados da USP, e a área de Humanidades do C4AI – Center for Artificial Intelligence (parceria USP-FAPESP-IBM) promoveram a mesa redonda “A Robótica Está Chegando na Escola, no Hospital… na nossa Casa! Estamos Preparados?”.

 

Na ocasião, Esther Luna Colombini (professora do Instituto de Computação da Unicamp) e Anna Priscilla de Albuquerque Wheler (membro do Grupo de Pesquisa em Realidade Virtual e Multimídia (GRVM) na UFPE) apresentaram casos em que a robótica já está presente na nossa sociedade, e discutiram o que podemos esperar das novas facetas dessa tecnologia e como podemos nos preparar para usufruir de maneira produtiva e segura dos serviços que ela pode nos oferecer. A moderação foi feita por Sarajane Marques Peres (professora-pesquisadora da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo).

 

Colombini iniciou sua exposição apontando que, em geral, a estrutura física dos robôs é construída com o objetivo de resolver um problema particular. Como exemplo, mencionou que, ao enviarmos robôs para Marte, não faz sentido construirmos um robô que não se adeque ao solo desse planeta, enquanto, em contextos domésticos, em que o robô irá interagir com pessoas, pode ser mais interessante que ele tenha estruturas semelhantes às estruturas humanas, assim como, para a limpeza de dutos de ar-condicionado, pode ser mais eficiente que ele tenha uma estrutura física semelhante à de uma cobra. Em todos esses casos, o robô precisa ser capaz de perceber o ambiente por meio de sensores, de tomar decisões, e de modificar esse ambiente por meio dos atuadores com os quais é equipado.

 

Indo adiante, a pesquisadora apontou que, segundo a ISO – International Organization for Standardization, a robótica é dividida em duas grandes categorias: a robótica industrial e a robótica de serviço. Na primeira delas, os robôs são construídos para realizarem tarefas repetitivas com altíssima precisão, e, geralmente, para atuarem em contextos em que não precisarão interagir com humanos. Os robôs de serviço, por sua vez, executam tarefas que são úteis aos humanos e têm a mobilidade como característica típica. Além disso, os robôs de serviço – diferentemente dos robôs industriais – nem sempre conhecem o ambiente em que irão trabalhar: no jargão da área, eles não possuem um “envelope de trabalho”, tal como possuem, por exemplo, os braços mecânicos, que se movimentam em uma região pré-definida, o que lhes permite saber seu alcance máximo e, graças a isso, pré-programar suas atividades.

 

Colombini observou que os avanços recentes na robótica de serviço são expressivos. O robô Da Vinci, por exemplo, não só permite a realização de tele cirurgias, como possui uma precisão em suas incisões que é significativamente maior do que a de qualquer cirurgião humano. Apesar de avanços como esse, seguiu a pesquisadora, os robôs de serviço ainda operam em ambientes bastante controlados, com um supervisor humano sempre por perto. Esse fato revela que ainda existe uma série de cuidados que precisam ser tomados antes que os robôs de serviço possam ser colocados para atuarem sozinhos em casas, hospitais, escolas ou outros ambientes em que a presença humana seja expressiva.

 

A necessidade de que tais cuidados sejam tomados não tem impedido, contudo, o desenvolvimento do mercado de robôs sociais. Citando dados da Federação Internacional de Robótica, Colombini apontou que as vendas desses itens vêm crescendo tanto para uso profissional (em áreas como medicina, agricultura e logística), quanto para entretenimento e para a realização de tarefas domésticas, como a limpeza de vidros e de piscinas. Nesse cenário, mencionou Colombini, o Brasil não vem se destacando nem como produtor, nem como consumidor de robôs sociais. Isso não quer dizer, observou a palestrante, que o país não possua pesquisa científica consistente nessa área. Ela lembrou que, em território nacional, há inúmeras universidades e institutos de pesquisa trabalhando e procurando desenvolver a tecnologia em questão, além de iniciativas como a Olimpíada Brasileira de Robótica, que procuram incentivar o interesse de estudantes por ela.

 

Por fim, Colombini procurou responder a seguinte indagação: se as aplicações da robótica de serviço vêm se disseminando por diferentes setores, por que não vemos, com tanta frequência, esses robôs em nosso dia a dia? Parte importante da resposta, afirmou a pesquisadora, está no fato de que os robôs de serviço precisam ser móveis e autônomos, ou seja, devem ser capazes de se locomover em ambientes que desconhecem sem serem pré-programados. Para tanto, precisam saber não apenas quais sensores e atuadores possuem, e como funciona a locomoção deles, mas também onde estão e onde estão os elementos que os interessam. Além disso, precisam processar todas essas informações para tomar uma decisão, como a de desviar, ou não, de uma cadeira durante uma atividade de limpeza. Dotar os robôs de serviço com cada uma dessas capacidades é complexo e demanda novos avanços na área.

 

Wheler, por sua vez, focou a robótica social em sua apresentação. Inicialmente, ela compartilhou com a plateia o que é a interação humano-robô. Trata-se, explicou a pesquisadora, do contato direto que um humano tem com um robô – seja manipulando-o, seja interagindo com ele –, algo que depende muito das características físicas deste último. Indo além, explicou que um robô social é um robô que pode executar tarefas designadas a ele, sendo que a condição necessária para que um robô seja considerado um robô social é a habilidade para interagir com humanos, percebendo contextos e regras sociais. Outras características importantes dos robôs sociais, continuou a pesquisadora, são a mobilidade, a aparência, e a expressividade, isso é, a capacidade de expressar emoções – três características que fazem com que a robótica social seja, por essência, multidisciplinar.

 

Como se vê, um robô social não deve perceber apenas o ambiente, mas também nuances como gestos e expressões faciais. Por essa razão, os robôs de serviço nem sempre são robôs sociais, ainda que muitos robôs sociais possam fazer serviços para os humanos. Em relação a esses serviços, Wheler destacou que os robôs sociais podem ser usados em diferentes contextos, como no atendimento ao público, no campo da saúde, e na área educacional, onde podem atuar, por exemplo, como assistentes de professores dentro de salas de aula, ajudando-os, entre outras atividades, a lembrar o horário que uma determinada criança deve tomar um remédio.

 

Para que consigam atuar em cada uma dessas frentes, os robôs sociais precisam ter funcionalidades diversas, como a capacidade de interagir por voz e processar imagens. Essa capacidade, lembrou Wheler, está limitada ao nível de desenvolvimento que temos em cada uma dessas áreas tecnológicas (como o reconhecimento de voz e de imagem) e que cada uma delas apresenta desafios que podem ser “quebrados” em diversos outros. No processamento de voz, por exemplo, os desafios técnicos para lidar com a entonação podem ser diferentes dos desafios técnicos para lidar com sotaque e com ritmo da fala. No caso brasileiro, um desafio específico nessa área é montarmos uma biblioteca de voz em português, dado que, atualmente, o repertório em inglês de termos, palavras e expressões é mais volumoso.

 

Ainda sobre as funcionalidades dos robôs sociais, Wheler afirmou que um dos principais desafios está no fato de que estes artefatos são multipropósito. No caso dos robôs de serviço, em geral é fácil sabermos qual é o propósito que possuem, enquanto, no caso dos robôs sociais, nem sempre é intuitivo sabermos qual é a finalidade e, portanto, o público-alvo que miram, fazendo com que seja difícil posicioná-los em contextos de mercado, como itens a serem produzidos e comercializados.

 

Outro ponto sensível ligado ao multipropósito, observou a pesquisadora, é que as desenvolvedoras dos produtos disponíveis no mercado esperam que as pessoas que compram e utilizam os robôs sociais sejam também desenvolvedoras para estes robôs, isso é, que colaborem para que os itens comprados passem a ter aplicações e funcionalidades mais amplas do que aquelas com as quais vieram da fábrica. Isso vem prejudicando o desenvolvimento do mercado de robôs sociais, notou Wheler. Ela afirmou que, quando compramos um celular ou um computador, fazemo-lo por sabermos que teremos acesso a softwares que nos permitirão utilizar esses artefatos para os fins que pretendemos, sem termos de programá-los para isso, mas que, na robótica social, isso não vem acontecendo, o que tem prejudicado a disseminação desses artefatos para além das comunidades de desenvolvedores e de profissionais que os pesquisam.

 

Por fim, Peres defendeu que as pessoas em geral, e não apenas quem pesquisa ou trabalha com robótica, podem atuar para ajudar a sociedade a receber os robôs sociais e de serviços. Nesse sentido, apontou que, assim como temos aplicativos para celulares que, para serem desenvolvidos, precisam da colaboração de profissionais de diferentes áreas, precisaremos ter também aplicativos para robôs, que estão chegando cada vez mais ao nosso dia a dia.

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