IMPASSE TECNOLÓGICO É OSSO DURO DE ROER

Por 30 de novembro de 2016

Glauco Arbix e Lucas Carvalho

Em 2013 o Walmart, uma das maiores redes varejistas do mundo, anunciou o programa chamado “Made in USA”, dedicado à busca de fornecedores que produzissem seus produtos nos EUA. A iniciativa, que continua em vigor, quer incentivar a criação de empregos nos EUA frente aos milhares que foram transferidos para a China ao longo dos últimos anos. As pressões sobre o Walmart são grandes, pois as estimativas sobre os impactos de suas importações da China indicam a perda de 200.000 postos de trabalho nos EUA.

Ford e Boeing seguem na mesma direção. O principal argumento do governo americano é que seria possível recuperar milhares de empregos perdidos e, ao mesmo tempo, impulsionar a reestruturação da indústria americana. Mas é bom refletir um pouco mais, pois mudanças desse porte nas estratégias de grandes multinacionais não ocorrem apenas para responder a pressões do setor público.

Na verdade, o movimento chamado de “reshoring”, que pretende trazer de volta as fábricas que migraram para países com baixo custo de produção, tem sua base no desenvolvimento de novas tecnologias que geram impactos na economia e transformam o atual sistema produtivo e de serviços.

O nó da questão, no entanto, é que as tecnologias que despontam exibem resultados não muito claros quando o assunto é geração de empregos.

Mesmo com dados esparsos e ainda iniciais – sem conclusões firmes, portanto – o mais recente relatório publicado pela ONU, “Robots and Industrialization in Developing Countries”, contribui para a compreensão do que está em curso. No centro do relatório, encontra-se um alerta sobre as limitações que a remodelagem acelerada da indústria possui para criar novos postos de trabalho.

Esses processos, que ganham diariamente musculatura nos países avançados – na Alemanha são coordenados pela Plataforma Industrie 4.0 e, nos EUA, pela rede de Manufatura Avançada – começaram a se estender para países em desenvolvimento, como o Brasil, movidos pela necessidade de modernização e de elevação da baixa produtividade de suas economias. Mesmo com tecnologias e processos ainda não totalmente maduros, muitos ganhos para a indústria podem ser visualizados, seja na abreviação dos tempos de fabricação, prototipagem e testes, seja na eficiência da produção, do controle e da qualidade, ou mesmo no contato com os clientes, na captura de tendências de mercado e na logística.

Novos modelos de produção, processos e de negócios já começam a surgir embalados pela nova geração de tecnologia. Porém, quando o assunto é a geração de emprego, o debate ainda não começou a esquentar. Pela simples razão que uma das características básicas da reestruturação em curso é ser poupadora de emprego. Essa marca estampada nas novas tecnologias, longe de levar os países a rejeitá-las como inconvenientes, deve se expressar como preocupação central em todo processo de formulação de políticas públicas de modernização industrial. Esse é sentido do alerta que o relatório da ONU anuncia ao mundo emergente: não se trata de uma simples discussão de para onde vão os empregos (se ficam na China ou retornam aos EUA), mas de construir mecanismos de proteção e intensificar a formação de quem trabalha para diminuir os impactos negativos desse avanço industrial.

A charada a ser decifrada é que tanto a vontade de “reshoring” nos EUA (que cabe para os países avançados) e o salto na produtividade e competitividade, desejado pelos países em desenvolvimento, não garantem empregos para sua gigantesca massa de assalariados. Esse prejuízo, porém, não será distribuído de forma equilibrada.

Como aponta o relatório da ONU, os países em desenvolvimento são os mais suscetíveis a essas mudanças e os que sofrerão as maiores perdas, caso a remodelagem e curso seja introduzida de forma crua e abrupta, principalmente por conta da pequena formação e baixa qualificação de seus trabalhadores e trabalhadoras. O alerta faz eco com estimativas consistentes, a exemplo das divulgadas pelo Banco Mundial, que apontaram o risco de eliminação de 2/3 dos empregos dos países em desenvolvimento, se mantida a velocidade das transformações em curso.

Essa realidade exibe cruamente o que se pode chamar de ‘impasse tecnológico’, uma vez que todos os países precisam das tecnologias para elevar o padrão de vida de suas populações. Os números e estimativas ainda não estão consolidados, é certo. Mas é razoável trabalhar esse “impasse” desde agora, quando os novos sistemas estão em formação, as políticas públicas engatinham e os países sequer contam com marcos regulatórios definidos.

ONU e Banco Mundial recomendam uma concentração de esforços para a reformulação urgente do ensino dos sistemas de formação de mão de obra qualificada, que tenha condições de lidar com as novas tecnologias. No Brasil, a reforma do ensino médio e a dinamização das escolas técnicas é vital. As duas instituições sugerem também que os países modernizem sua infraestrutura, de modo a tornar universal o acesso à internet, o que melhora o posicionamento das pessoas por um emprego de qualidade e ajuda na construção de economias mais digitalizadas. Redes intra e intersetoriais, capazes de aumentar a comunicação entre cadeias produtivas devem ser estimuladas, o que facilita o comércio regional e fortalece os mercados domésticos.

Essas recomendações, porém, poucos benefícios trarão se não estiverem articuladas com sólidos programas de diminuição da pobreza e desigualdade, que constituem o principal obstáculo à ampliação e oxigenação do mercado de trabalho.

Esperamos que os novos ares que o mundo respira, com Trump e a ascensão da Le Pen, não consigam desconstruir a rede de proteção social tecida ao longo de mais de 20 anos. E que o necessário salto tecnológico que a indústria brasileira precisa dar não seja feito a ferro e fogo.

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