INOVANDO HÁ 5.000 ANOS

Por 1 de julho de 2016

Breno Raigorodsky – winecoach e consultor em comunicação

No mundo do vinho, há o que inovar para todos os lados, inclusive pra trás. Vinho, vale lembrar, é aquela bebida aceita pelo padre, pelo rabino, pelo pai da noiva, pelo diretor da escola, pelo seu superior, desde o começo da civilização ocidental. A mulher, nos tempos modernos, passa a ser igualmente ativa no papel de incentivar o seu consumo, mais do que qualquer outra bebida alcóolica ou estimulante.

Vinho nasceu naquela época em que a espécie humana se esgarçou de tanto andar nômade por aí, decidiu que estava na hora de assentar-se num lugar e finalmente organizar sua tecnologia produtiva acumulada por séculos, dizendo a si mesma, cercada de plantações e eventuais rebanhos: daqui não saio, daqui ninguém me tira.

Óbvio que esta afirmação criou esta segurança ilusória, pois muita guerra, muito massacre, muito desastre ecológico – terremotos, tsunamis, queda de barragens incluso – vieram para por uma pá de cal no procurar constante por novas terras.
Mas ao dominar o processo de fermentação que caracteriza a beberagem chamada “vinho”, o homem tinha se habituado a conviver com as videiras, sabia até plantá-las e era capaz de imitar a natureza na arte de transformar o açúcar presente na fruta em álcool, mesmo sem suspeitar que o veículo da transformação era uma comunidade de micro-organismos que habitavam as peles das frutas, ditas leveduras.

Vinho, vale também lembrar, é um produto simples, caracterizado e identificado apenas e tão somente por este processo de fermentação. Por essa identidade, de modo fascinante e único sobre toda e qualquer mercadoria, ele é o produto mais diversificado em preço, já que seu valor é definido por inúmeras variáveis intrínsecas e extrínsecas. Essa diversificação em preço permite ao produto manter-se vinho ao custar na gôndola menos de U$ 3.50 (Chalise Salton), como continua permitindo assumir-se vinho quando custa mais de U$ 20,000.00 (Domaine de la Romanée Conti, Romanée Conti, 1990 – Caviste Authentique).

Pois é vinho tanto o fruto líquido da fermentação recentíssima, engarrafado às pressas, colhido e prensado por máquinas pesadas e abrutalhadas, feitas para produzir grandes quantidades; como é vinho, o produto resultante de colheitas manuais extremamente cautelosas com cada uva de cada cacho, numa terra que se destaca das outras pelo clima, pela geologia e pela longa tradição de bem-fazer, que há de ser seguidamente selecionado até que se fermente com todo cuidado térmico, para que o líquido raro advindo deste processo – comumente em quantidade menor do que de uma garrafa por planta – possa descansar de um ano e meio a quatro anos em madeira esplêndida, que lhe dê gosto único e complexidade inigualável. Apesar de tanta diversidade nas uvas, tantas alternativas na forma de plantar, cultivar, podar e vinificar resultarem em tantas formas que o vinho toma, ele é sempre fruto de um único processo básico, filhote de uma única uva básica: a vitivinífera.

Na Finca Torremilanos de Aranda del Duero, ponta leste da Ribera del Duero em Castilla Y Leon, o gotejamento automático que nutre as plantas conforme sua necessidade – inovação testada e aprovada nos vinhos da Califórnia desde os anos 1980 – foi rejeitado depois de testes com duas colheitas. Os vinhos resultantes da experiência inovadora se mostraram sem caráter, pois a alimentação automatizada facilitava a vida das videiras, que não precisavam mais esticar suas raízes metros abaixo do solo à procura da água. Resultavam vinhos com final curto, sem tensão e complexidade, sem a presença dos taninos que tanto caracterizavam os vinhos da vinícola.

A Torremolinos inovou voltando atrás, não aceitando a tecnologia de ponta, preferindo manter-se com um jeitão de fazer vinho que lhe dava uma identidade conhecida e venda garantida de suas um milhão de garrafas/ano. O que precisavam inovar não estava no modo de tratar as plantas, mas no incrementar sua comunicação, atualizar seus rótulos, inovar em recursos de exportação, ampliar seu excelente ramo turístico.
Num outro movimento, um dos mais consagrados e expressivos produtores do Loire, Florent Baumard, inventou uma mistura inédita na composição do mosto vínico para um de seus vinhos, o Le Caleche de Baumard.

Como é típico da região, fez o vinho à base de Chenin Blanc, com meses de contato com as borras finas, mas, diferentemente dos outros leva para a fermentação uma dose de sementes de Chardonnay, à espera de maior complexidade. Inovar nesse complexo agroindustrial é descobrir o melhor jeito de se fazer um vinho, é pura pesquisa, conhecimento enológico e arte. Mas fazer desse produto um campeão de vendas são outros quinhentos, que exigem igualmente conhecimento de mercado, estratégia de inserção, ousadia e consciência. Inovar para frente, cercar a produção de cuidados extraordinários, é seguir os pais da enologia moderna, os bordoleses Émil Peynaud e Jacques Blouin, que deixaram tecnicamente os vinhos mais palatáveis e fáceis de beber ao introduzir no processo produtivo duas ferramentas que se tornaram indispensáveis, a micro-oxigenação e a fermentação malolática (Le Goût du Vin Éd. Dunod, Paris, 1983).

O mundo do vinho, com os australianos frente, nos dá grandes lições de como inovar sem cessar. Mas isso é historia história que fica para uma outra vez.

Breno Raigorodsky brenoraigo@icloud.com

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