LEI DO BEM: SUSPENSÃO, EXTINÇÃO OU EVOLUÇÃO?

Por 25 de abril de 2016

Glauco Arbix*
Folha de S. Paulo, 03/03/2016 e Endeavor Brasil, 08/03/2016

Governos pelo mundo afora costumam não economizar munição quando o assunto é elevação de impostos. Não raramente, também, em nome de contenção de dispêndios, atiram em seu próprio pé, cortam programas ou eliminam incentivos que ajudam a superar deficiências crônicas da economia.

No Brasil, essas disfunções muitas vezes levam ao paroxismo.

O recente episódio da suspensão da Lei do Bem (nº 11.196/2005), determinado pela Medida Provisória nº 694 (30.09.2015) é exemplo de como um diagnóstico enviesado pode provocar a interrupção de um instrumento bem sucedido, com implicações fortes para a inovação e desenvolvimento tecnológico no Brasil.

A Lei do Bem mostrou-se importante no incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) nas empresas brasileiras, essencial para uma economia de baixo desempenho, que precisa, mais do que nunca, elevar os níveis ainda modestos de investimento em inovação.

Promulgada em 2005, na esteira da Lei de Inovação, a Lei do Bem inspirou-se em similares existentes em países avançados. Mais importante, desde sua regulamentação, ajudou a atrair centros globais de grandes corporações para o Brasil, mitigou os custos da atividade de P&D e contribuiu para tornar o ambiente de inovação mais diversificado em termos de ferramentas e amigável à atividade inovadora das empresas.

Lamentavelmente, sua descontinuidade, inicialmente apresentada como transitória, apenas reafirmou a volatilidade que marca o sistema de inovação brasileiro, a instabilidade das políticas públicas e a fragilidade de alguns instrumentos de fomento à P&D. Para as empresas, a suspensão da lei aumentou o custo das atividades de P&D e diminuiu sua previsibilidade, com impacto provável em seus planos de investimento, do qual a economia tanto carece.

A Lei do Bem é um dos raros incentivos fiscais multisetoriais para a inovação, de acesso desburocratizado, simplesmente porque auto-declaratório. Desde sua entrada em vigor, estima-se que foram concedidos cerca de R$ 12 bilhões em abatimento fiscal, envolvendo mais de 1.100 empresas, que experimentaram um estimulo real à incorporação de corpo técnico qualificado nas áreas de P&D empresarial. Levantamento realizado junto à multinacionais mostrou que a escolha do Brasil para sediar 15 novos centros de P&D (desde 2010) teve por base um sistema de incentivos fiscais então em vigor, no qual a Lei do Bem se destacou.

Mesmo reconhecendo a necessidade de um ajuste fiscal rigoroso para reequilibrar as finanças do país, é fundamental que prós-e-contras sejam estabelecidos, de modo a não dificultar a recuperação da economia nem sustar os esforços para aumentar a competitividade das empresas.

Sabe-se que o ciclo de vida das crises econômicas varia muito de acordo com a qualidade do investimento, sendo que pesquisa, desenvolvimento e inovação (PD&I) são sempre alvos preferenciais das políticas públicas saudáveis que buscam a eficiência e a produtividade. Mais ainda, sabe-se também que as empresas que conseguem viabilizar mais investimento em PD&I durante os períodos de crise, são as que saltam à frente ao primeiro sinal de recuperação econômica, exatamente por estarem melhor preparadas, seja em países avançados ou emergentes.

O Brasil, que precisa elevar urgentemente a competitividade de sua economia e, por isso mesmo, investir mais e melhor em PD&I, atua exatamente em sentido contrário. Um tiro no pé caprichado, que tende a tornar-se de difícil reversão, uma vez que se encontra no Congresso Nacional a MP nº 694/15, que recebeu emenda do Senador Romero Jucá e propõe, além da suspensão, a posterior extinção de incentivos à pesquisa tecnológica da Lei do Bem.

A MP introduz uma nova tributação sobre os dividendos distribuídos pelas empresas com regime de Lucro Presumido e pelas optantes do Simples Nacional, relacionada à parcela excedente da base presumida de lucro. Se aprovada, em que pese sua constitucionalidade duvidosa, a MP 694 determina que os dividendos distribuídos pelas empresas optantes do Lucro Presumido e do Simples que excederem a base de cálculo do lucro presumido, acrescida de 20%, estarão sujeitos à uma alíquota de 15% de tributação no imposto de renda. As razões de se tributar mais os chamados “excedentes” de uma empresa que optou pelo lucro presumido ou pelo Simples do que os distribuídos por empresas que optaram pelo lucro real, continuam imersas em mistério.

A eventual extinção da Lei do Bem e a entrada em cena de um substituto mambembe, além da incerteza jurídica, provocarão danos irreparáveis a um sistema de apoio à PD&I que insiste em declarar sua prioridade mas que, de fato, apenas reafirma regularmente seu caráter acessório.

Ao invés de bem avaliar e redefinir estratégias públicas e privadas de inovação, para desenvolver tecnologias; ou de manter e melhorar leis e programas que deram certo; ou ainda de avançar na qualidade das engenharias, em sintonia com a melhoria da educação, para colocar no coração das empresas mão-de-obra mais especializada; ou seja, ao invés de dar seguimento às iniciativas para redefinir e enriquecer o marco legal e regulatório da inovação, nosso país corre o risco de empobrecê-lo, como se estivéssemos condenados a uma postura primariamente defensiva.

Essa postura torna-se ainda mais paradoxal tendo em vista que a presidente Dilma Rousseff acaba de aprovar medidas que buscam justamente aperfeiçoar as leis que regulam o sistema de inovação no Brasil e podem vir a facilitar o uso de instrumentos importantes no fomento à PD&I, como o uso das compras governamentais. É um contrassenso anular outros mecanismos que caminham na mesma direção.

O Congresso Nacional poderia surpreender positivamente o país e reafirmar a validade da Lei do Bem e abrir o debate para seu aprimoramento. Quanto mais rápido, melhor.   

*Professor titular da USP e membro do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados-USP. Ex-presidente da Finep e do Ipea.

Este artigo foi publicado na Folha de S. Paulo, no dia 03.03.2017, p. 03. E na Endeavor Brasil, no dia 08.03.2016

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