OS DESAFIOS DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NO SÉCULO XXI

Por 29 de maio de 2017

Glauco Arbix

Esta é a introdução da Aula Magna que realizei na Universidade Federal do ABC (UFABC), campus de São Bernardo, no dia 25 de maio de 2017.

“Não poderia iniciar essa aula sem uma breve referência aos tempos de turbulência que sacodem nosso país.
Começo por uma pequena história, narrada por um dos mais brilhantes escritores da jovem geração nos EUA, David Foster Wallace.

‘Dois peixinhos nadavam distraidamente em mar aberto quando cruzaram com um peixe mais velho, de longas barbas, que olhou para eles e saudou:
– Bom dia jovens. Como está a água?.
Os dois peixinhos se entreolharam e responderam:
– Água? Que diabos é água? ‘

Se vocês pensaram que vou me apresentar como o velho e sábio peixe, que veio até São Bernardo para explicar a vocês o que é “água”, sinto desapontá-los, mas vocês erraram.
A reação dos peixinhos sugere apenas que em alguns momentos de nossas vidas, temos enorme dificuldade de enxergar a realidade, por mais óbvia, onipresente, plena e envolvente que possa ser.
Algumas ou alguns de vocês podem considerar que a referência aos peixinhos não é mais do que non sense, uma hipérbole literária ou uma platitude. Pode ser.
Acredito, porém, que revela um pouco mais do que isso. A água que nos envolve por completo é um pouco como a realidade política atual de nosso país, em que a surpresa, decepção e indignação se articulam de modo a forçar nosso olhar para baixo, a dobrar a nossa coluna, exacerbando o peso de um mal-estar, que parece nos afastar do mundo, ou a colocá-lo em suspensão.
De te fabula narratur‘, dizia o poeta latino alertando-nos que a fábula, por mais amedrontadora que seja, fala de você, de mim, de todos nós. Nos dias de hoje dormimos e acordamos com a sensação de que o mundo vive dias de desequilíbrio, com espasmos autoritários. Não só no Brasil, mas nos EUA, na França, na Suíça, na Áustria e em dezenas de outros países, há gente em ação que parece se esforçar para dar representatividade ao que não é representativo, legitimidade ao que não é legítimo e uma aura da paz ao que é violento.
Tenho certeza que a exceção e a violência que restringem a base plural e democrática da nossa sociedade, a duras penas estabelecida, não podem ser confundidas com a normalidade do estado de direito.
O atual enredo da política brasileira parece querer testar a solidez das instituições, hoje já fragilizadas pelo distanciamento de jovens gerações, e de uma parte significativa da população, que as tomam como disfuncionais e ineficazes para a defesa de seus interesses. Não à toa, temos a percepção generalizada de que o sistema político está despedaçado. Que os partidos foram engolfados pela corrupção. E que o público foi colonizado pelo privado.
No entanto, acredito que a recusa dessa quebra generalizada de confiança e o desconforto institucional que vivemos não rima com depressão, medo, repressão ou com acenos a uma volta ao passado. A crise atual somente terá desenlace duradouro quando a população puder efetivamente se manifestar, conforme as regras da democracia.
Temo que uma onda de regressão tenta tomar o seu curso, com a degradação rápida da condição de vida dos brasileiros, com aumento da pobreza, rebaixamento da Educação, Ciência e Tecnologia e impacto brutal sobre os fundamentos da nossa democracia.
Historicamente, a universidade foi espaço de resistência e de reinvenção da sociedade. Tenho certeza que não será diferente desta vez.
Por favor, não pensem que estou dando alguma lição de moral a vocês. Ou pedindo que pensem como eu. Minha sugestão é mais simples e menos pretensiosa. Cultivem a reflexão, a capacidade de discernimento e, principalmente, não deleguem a ninguém a construção de seu futuro.
A metáfora da água, que marcou o início de minha fala, comporta várias interpretações, além da política. E pretendo retomá-la para dizer, no âmbito desta nossa conversa, que ciência, tecnologia e inovação são hoje mais do que simples ferramentas. Dissolveram-se nas águas que tendem a envolver todo o planeta. Pode demorar mais ou menos tempo para chegarem com ímpeto na África, no Oriente Médio, ou na América Latina, o continente esquecido, do qual faz parte o nosso país.
Mas seu curso é inexorável. O mundo já não é mais o mesmo. O modo como trabalhamos vive mudança acelerada. Assim como o jeito que falamos. E mesmo a maneira como pensamos. Muitos chamam essas mudanças de a nova revolução industrial. Outros de transformação digital. O certo é que apesar de ainda distante do nosso cotidiano, o fluxo dessas águas carregadas de tecnologia obriga-nos a buscar apaixonadamente a conexão do Brasil com o futuro. Não como fuga. Mas como um esforço para (re)avaliar as possibilidades, (re)pensar nossa trajetória e (re)imaginar nosso país. É a única forma de não desperdiçarmos mais as oportunidades que se abrem.
A crise política brasileira põe nosso país entre parênteses. Quanto mais durar, menos tempo teremos para diminuir a distância que nos separa das nações tecnologicamente mais avançadas.
Estou seguro, porém, que não aumentaremos o grau de nossa civilização sem um forte apego à democracia, a um esforço descomunal para revolucionar nossa educação, CT&I, único caminho para a busca de uma sociedade menos desigual e mais justa.”


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