Fernanda De Negri* – Diretora de Estudos Setoriais do Ipea e Bruno Cesar Araújo – Pesquisador do Ipea
Folha de S. Paulo, 20/06/2016
A sociedade sabe muito pouco sobre como e onde é gasto o dinheiro público. No labirinto de siglas e rubricas orçamentárias é muito difícil responder a perguntas simples como o quanto investimos para conter a epidemia de Zika, por exemplo.
Se sabemos pouco sobre como gastamos, sabemos ainda menos sobre a efetividade desse gasto. Enquanto o mundo todo fala em política pública baseada em evidências – que consiste em avaliar, a partir de dados científicos, se determinada política está funcionando – nós continuamos dando tiros no escuro. Aplicamos bilhões em desonerações para a indústria, por exemplo, sem ter a menor pista sobre a efetividade desse mecanismo. Nesse caso, o único indício que temos, depois de anos, é o desempenho sofrível da nossa indústria no período recente, o que não parece sugerir que essas políticas tenham cumprido seus objetivos. A matéria “Governo não avalia efeito de programas de isenção fiscal, diz TCU”, publicada nesse jornal no dia 12/06, evidencia isso no caso das desonerações, mas esse não é o único caso.
Salvo raras exceções – e talvez o bolsa família seja a mais relevante – o Brasil não avalia suas políticas. Avaliação, contudo, é muito mais do que auditoria, que está mais relacionada com o efetivo cumprimento de contrapartidas ou com de autenticidade de declarações prestadas pelos beneficiários. A avaliação procura responder a uma pergunta muito mais complexa, que é se a política funciona ou não. Mesmo cumprindo todas as contrapartidas legais, ainda assim, uma política pode ser ineficaz e não causar o impacto desejado, seja ele o de aumentar o investimento, o de gerar empregos ou inovar.
A ausência de mecanismos institucionais e contínuos de avaliação das políticas públicas é incompatível com o crescente desejo da sociedade brasileira por mais eficácia, eficiência e transparência na ação governamental. Países como os da União Europeia e Austrália forçam, por meio de lei, seus formuladores de políticas públicas a incorporarem uma estratégia de avaliação periódica e sistemática integrada à gestão dos programas governamentais. Aqui, temos o PL 229/2009 (Projeto de Lei Complementar da Qualidade Fiscal), em fase final de tramitação no Senado, cujo capítulo VI trata especificamente da avaliação das políticas públicas.
Pré-requisito fundamental para avançar nesse sentido é o acesso à informação. A destinação do recurso público deve ser uma informação transparente e disponível para qualquer cidadão. A Lei de Acesso à informação acabou se mostrando ineficaz nesse sentido. Apesar de dizer que a informação deve ser acessível, dá ao gestor público cuja ação seria objeto de escrutínio a prerrogativa classificá-la como sigilosa e restringir o acesso a ela.
Não basta, contudo, criar leis obrigando a divulgação de informações que, muitas vezes, o próprio setor público não consegue extrair. Esse é o ponto mais complexo: informação útil é informação trabalhada e consolidada. Qualquer um que tenha trabalhado em órgãos públicos em Brasília sabe que falta, por aqui, tecnologias e capacidade técnica para sistematizar grandes volumes de informação para torná-las minimamente analisáveis pelo próprio setor público e pelo cidadão em geral. Isso tudo em tempos de big data e de open government.
Por fim, é preciso de instituições com competência técnica e, sobretudo, com mandato para realizar essas avaliações de forma continuada. Não é mais aceitável que o país continue formulando políticas públicas e investindo os escassos recursos públicos com base na intuição, ou em outros interesses, do governante da vez.
Email fernanda.denegri@ipea.gov.br
* Doutora em Economia e diretora da Diretoria de Estudos Setoriais do IPEA
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