Glauco Arbix
Viver a adolescência lendo Panamérica foi um privilégio. Mergulhar no que Agrippino cunhou de “sifilização ocidental” foi experiência explosiva. Alguém pode imaginar o impacto colorido de uma viagem para mundos e submundos? Muito antes de George Lucas? Sem a realidade virtual do Instagram, Tumblr ou Facebook? Um pot-pourri de temas bíblicos, em que Marlon Brando enxugava suas lágrimas nas saias plissadas de Marilyn Monroe? Alguns, mais sabidos à época, enxergavam Agrippino como um sketch do império americano, como nos quadros de Pollock. Eu, sem bigode e barba aos 20 anos, cidadão do mundo americanense, só reconhecia no Panamérica os jabs de Cassius Clay.
José Agrippino de Paula foi romancista. E poeta, cineasta. E homem de teatro, da dança e da música. Esses rótulos porém, sempre foram estreitos. Agrippino excedia. Era experimental e de amplo espectro. Às vezes cantava suave, como a cítara de Ravi Shankar. Não raro, porém, disparava a língua franca das ruas, como Leopold Bloom, dirigido por Joyce. Mas o cenário não era Dublin. Era a Pompéia, sem romanos e cheia de paulistanos, todos da zona Oeste da capital.
A “Panamérica de áfricas utópicas”, que Caetano Veloso gravou, era requintada, violenta e surreal. Dizem que os que viram o Rito do Amor Selvagem, no teatro São Pedro, em 1969, com roteiro de Agrippino e direção da Maria Esther Stockler, jamais se esqueceram. Foi ali que Agrippino e seus amigos começaram a fazer e serem invejados pelo Living Theater, vanguarda do teatro mundial dos anos 60 e 70. No cinema, o “Hitler do 3º Mundo” teve Jô Soares no elenco e a transgressão como marca.
Agrippino deixou impressões digitais em quase todas as artes. Em 2006, Miriam Chneiderman fez um Super 8 sobre Zé Agripino, Os Passeios no Recanto Silvestre. Desde 2001, em uma reedição de homenagem, a editora Papagaio oferece Panamérica. Em 2004 foi a vez do primeiro livro de Agrippino, o Lugar Público.
Zé Agrippino não está mais por aqui. Mas muito das luzes que criou ainda pode ser encontrado na Editora Papagaio. Ou no Facebook. Ou então, mais simples, folheando as páginas de um de seus livros.
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