FUTURO À VISTA

Por 20 de agosto de 2016

Glauco Arbix*

Impensável há 10 anos, os carros autônomos entram aceleradamente em fase de testes em diferentes países e acirram a guerra entre grandes corporações. Uma disputa que envolve universidades, centros de pesquisa e governos das mais diferentes ideologias.

Montadoras como a Ford, Toyota, Mercedes, Audi, BMW, GM, Nissan, Volvo, Honda e Hyundai investem pesadamente no que desponta ser a grande novidade dos próximos 10 anos.

Porém, com (ou mesmo contra) os fabricantes tradicionais de automóveis, empresas líderes do mundo virtual assumem a vanguarda da pesquisa para tornar os veículos autônomos uma realidade.

Como sinal dos novos tempos, newcomers como a Tesla, Yutong e Tata, além da Google, Uber, Apple, Baidu, Microsoft, Nvidia, em voo solo ou associado, não escondem suas pretensões de se tornarem as grandes do novo mundo da manufatura. Saem na frente porque são especialistas nos chamados sistemas inteligentes que comandam o novo carro, ou seja, a legião de softwares, algoritmos, sensores, leitores digitais e muita informação.

Apesar de ainda conhecidos como carros, esses veículos funcionam sem motorista, direção, acelerador e breque. Mais ainda, guardam distância dos obstáculos, não excedem na velocidade e não bebem. Ou seja, estão sendo pensados e concebidos para evitar acidentes. Para isso, procuram combinar centenas de novas tecnologias, todas avançadas, algumas recentes e outras ainda inexistentes. Para além do deslumbramento fácil, os testes indicam a necessidade de mais experimentação e pesquisa. E também de uma nova arquitetura regulatória, um sistema que seja capaz de dar conta de inéditos problemas legais, éticos e morais que envolvem fabricantes, usuários, agências de controle.

A dimensão, o volume de investimentos e os resultados já alcançados, assim como a qualidade dos personagens envolvidos, seja no universo empresarial ou acadêmico, levam-nos a acreditar que a chegada de um veículo com as características de um robotic car está cada vez mais próxima. O que exige visão e ambição de projetar e construir o futuro.

Na verdade, veículos desse tipo representam avanços que nada tem a ver com o que os economistas denominam de inovações incrementais. Expressam (ao mesmo tempo que suscitam) o desenho e implantação de novos sistemas de mobilidade, baseados em conectividade de alto desempenho, sensoriamento complexo, gigantescas plataformas de dados e processos inteligentes de análise. Em outras palavras, seja como driverless car, ou voiture autonome (na França), ou vettura autonoma (na Itália), ou como o roboter-auto dos alemães, o futuro com esses veículos aponta para a reconfiguração das nossas ruas, estradas, das cidades e dos sistemas habituais de transporte, cultura e mobilidade que se consolidaram no século passado, com a civilização do automóvel.

O carro autônomo é uma aplicação clássica do que há décadas recebeu o nome de Inteligência Artificial. É certo que faz uso de rodas, reproduz o que um motorista faz, é capaz de ver, ouvir, decodificar e processar informação. Mais ainda, pretende livrar a humanidade de acidentes e fazer do automóvel um produto eficiente e amigável ao meio ambiente.

O desafio é enorme, claro. Além disso, ao dar conta de alguns problemas terríveis que nos afligem desde a massificação do carro, geram novos, como os de ordem ética, moral, legal, de saúde pública e social, para os quais nenhum país, indústria ou governo está preparado.

Não à toa, no estágio atual, muita pesquisa ainda precisa ser feita. E a natureza do conhecimento requisitado deixa claro que o carro sem motorista somente conseguirá avançar com o desenvolvimento de pesquisa de ponta, diversificada e cooperativa. Por isso, centros de referência como o MIT, a Cornegie Mellon University, a Universidade de Aachen (Alemanha) e a Universidade de Stanford, para dar alguns exemplos, participam de consórcios com empresas dos mais variados segmentos para viabilizar um veículo que seja seguro o suficiente para virar uma página no livro de história da mobilidade.
Para isso, há muita estrada pela frente, sem dúvida.

Mas o terreno percorrido, o rápido amadurecimento tecnológico e os resultados já alcançados sugerem que a nova geração de veículos inteligentes provocará em 10 anos rupturas na indústria, serviços, nos sistemas de mobilidade e no modo como as cidades os cidadãos se organizam, respiram e se comunicam.

*Professor Titular da USP, pesquisador do Observatório da Inovação e ex-presidente da Finep

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