Governos costumam não economizar munição quando o assunto é arrecadação. Em nome de contenção de dispêndios, muitas vezes cortam programas ou eliminam incentivos que ajudam a superar deficiências crônicas da economia.
O episódio da suspensão da Lei do Bem, definido pela medida provisória 694 (30/9/2015), é exemplo de como um diagnóstico enviesado pode provocar a interrupção de um instrumento bem-sucedido, com implicações fortes para a inovação.
A Lei do Bem mostrou-se importante no incentivo à pesquisa e ao desenvolvimento nas empresas brasileiras, essencial para uma economia de baixo desempenho, que precisa elevar os níveis modestos de investimento em inovação.
Promulgada em 2005, após a Lei de Inovação, a Lei do Bem inspirou-se em similares existentes em países avançados. Desde sua regulamentação, diminuiu custos de pesquisas e ajudou o ambiente de inovação a tornar-se mais diversificado e amigável à atividade das empresas.
A descontinuidade da lei apenas reafirma a volatilidade que marca o sistema de inovação brasileiro e a fragilidade das políticas públicas. Para as empresas, a suspensão eleva custos e gera impacto negativo nos planos de investimento.
A Lei do Bem é um incentivo fiscal de acesso desburocratizado. Mais de 1.100 empresas serviram-se de seus benefícios ao incorporar mestres e doutores a seu corpo funcional, elevando a qualificação do sistema produtivo. Levantamento recente mostrou que o Brasil foi escolhido para sediar novos centros de pesquisa, alguns globais, por conta dos incentivos à inovação, com destaque para a Lei do Bem.
Mesmo reconhecendo a necessidade de um ajuste fiscal rigoroso para reequilibrar as finanças do país, é essencial que prioridades nacionais sejam respeitadas de modo a não dificultar a recuperação da economia, nem sustar os esforços para aumentar a competitividade.
O ciclo de vida das crises econômicas varia de acordo com a qualidade do investimento. Por isso, países que buscam a eficiência e a produtividade não interrompem políticas públicas com foco em tecnologia e inovação. As empresas que se preparam durante os períodos de crise são as que saltam à frente quando a recuperação começa.
Emendas à MP 694 aprovadas pela comissão mista mantiveram a suspensão da lei para 2016 e deixaram a porta aberta para a retomada em 2017 e 2018. Entretanto, não afastaram o risco real da extinção.
Em vez de avaliar, manter e melhorar leis e programas que deram certo, de enriquecer ainda mais o marco regulatório da inovação, nosso país corre o risco de empobrecer as experiências positivas.
Tendo em vista que a presidente Dilma Rousseff acaba de promulgar mudanças positivas no marco legal, essa postura é ainda mais paradoxal.
Os deputados, desta vez, poderiam surpreender positivamente o Brasil, impedir a extinção da Lei do Bem e abrir o debate sobre como torná-la ainda mais eficiente.
GLAUCO ARBIX é professor titular do departamento de sociologia da Faculdade de Ciências Sociais da USP e pesquisador do Observatório da Inovação do Instituto de Estudos Avançados
Texto publicado na Folha de São Paulo em 03/03/2016. Link para o texto original aqui.
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