Glauco Arbix
Lucas Carvalho*
A leitura rápida do noticiário sugere que os robôs estão tomando conta do mundo. Seu avanço é uma realidade, mas é bom lembrar que esse avanço ocorre de forma desigual e desequilibrada. Ciência e tecnologia são parte integrante das sociedades, mas não as definem nem determinam. E quando deixadas à própria sorte, trazem benefícios para poucos. Ou, em casos extremos, podem até mesmo transformar o futuro em ameaça. Exatamente por isso, é essencial que o desenvolvimento científico e tecnológico ocorra em solo sadio, marcado por regras claras, que definam parâmetros éticos, morais e sociais de seu desenvolvimento.
Essas preocupações atingem em cheio o mundo dos robôs. Um mundo de algoritmos, de máquinas que aprendem e de inteligência artificial. São realidades que nascem e se disseminam rapidamente em empresas grandes, médias ou pequenas, em laboratórios, universidades públicas e privadas e nas agências de governo.
Em primeiro lugar, porém, é bom não esquecer que, apesar de seus contornos não-humanos, o principal instrumento, veículo e motor dos avanços científicos e tecnológicos são as pessoas de carne e osso, os engenheiros, programadores, físicos, químicos, biólogos e dezenas de outros especialistas que formam a matriz de geração e acúmulo desse conhecimento. Segundo, hardware e software não são acessados e distribuídos de forma semelhante em todos os países do planeta, muito menos no interior de cada país, ou cidade. É fato que as imagens de um mundo super-conectado e que tem no seu funcionamento regras de uma suposta democracia digital povoam o noticiário da mídia, mas também é certo que essa realidade, quase sempre vista superficialmente, não passa de uma metáfora.
É real a tendência à automação das economias. O paradigma industrial do século XX, a dinâmica dos serviços, comércio e da agricultura, com todos os seus cruzamentos e intersecções, estão sendo sacudidos atualmente. Um universo ainda em formação sugere novas maneiras de se produzir, de atender, servir, plantar e de cuidar das pessoas. É o modo de se viver a vida que está sendo redesenhado. Mas trata-se do início, que não traz automaticamente bem estar para todos, pessoas ou países.
Quando o assunto é robótica, os Estados Unidos, Alemanha e Japão, por exemplo, são os países mais avançados do mundo. Há outros poucos países que tentam acompanhar sua dinâmica, seja no que se refere à tecnologia, às leis e regras de seu desenvolvimento, seja em relação ao uso e ao ambiente mais adequado para seu florescimento e expansão. Mas a concentração do conhecimento ainda é muito forte e, mesmo com as conexões globais, seu fluxo não é fácil nem simples.
Prova disso foi o acontecimento de uma série de debates entre especialistas organizados pelo governo americano há cerca de dois meses, com o objetivo de visualizar como os robôs mudarão a vida em sociedade nos próximos anos. Uma discussão também presente em alguns, diga-se de passagem, poucos países europeus e asiáticos. Esteve em pauta o debate sobre as normas e as políticas públicas mais adequadas para incentivar e balizar a robotização acelerada da produção, dos serviços e da vida em sociedade. Alemães e japoneses seguem caminhos semelhantes. Preparam-se aceleradamente para alcançar e manter a liderança mundial em Inteligência Artificial e automação.
No relato dos especialistas, o que mais surpreende é a rapidez com que as “máquinas aprendem a aprender”. Falam, portanto, da inteligência que anima o recipiente, um robô às vezes, que pode ser de aço, vidro, tungstênio ou de materiais avançados. A velocidade que marca os processos de “Machine Learning” traz esperança de uma vida melhor ao mesmo tempo em que ameaça setores, áreas ou mesmo sociedades inteiras que ainda não estão preparadas para tais mudanças, a começar pelo próprio mercado de trabalho.
Robôs não são concebidos para substituir os humanos e gerar turbulência na vida em sociedade. Mas é exatamente o que sinalizam hoje em dia, ainda que em pequena escala. Sua massificação aponta para a extinção de determinadas ocupações assim como para o desequilíbrio no mundo do trabalho, que sempre tendeu a mitigar o desemprego e as desigualdades sociais. Tratam-se de questões espinhosas que nem sempre encontram métodos e políticas adequadas para solucioná-las.
Nas oficinas promovidas pelo governo americano, especialistas com diferentes visões convergiram sobre a necessidade de uma reflexão profunda sobre a preparação da sociedade para mudanças intensas. O debate girou em torno do choque de valores e de políticas públicas apropriadas para balizar o avanço tecnológico, sem inibir seu desenvolvimento.
Dentro desse cenário, o Brasil será diretamente atingido pela robotização acelerada, juntamente com todos os países em desenvolvimento. A compreensão e o debate sobre os novos processos produtivos e os serviços não dizem respeito apenas a nossa indústria, que aspira ganhar competitividade e não ser atirada às margens do planeta, mas também toca nos fundamentos da nossa sociedade e, por isso mesmo, pede uma preparação cuidadosa e urgente de todos, a começar das autoridades públicas.
*Pesquisador USP-Cebrap (lucas.monteiro.carvalho@usp.br)
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