REPORTAGEM ESPECIAL MOSTRA A INSERÇÃO DAS MULHERES NA ENGENHARIA CIVIL

Por 4 de maio de 2015Biblioteca

Produção: Acin Jornalismo

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Na virada do século XXI, a presença das mulheres na construção civil estava mais associada aos espaços de limpeza após a conclusão das obras. Esse cenário mudou ao longo dos anos, permitindo às mulheres assumirem funções que antes eram dominadas pelos homens.
O interesse pela área, por parte do sexo feminino, pode ser observado quando se analisa o ingresso de estudantes nos cursos de Engenharia Civil de todo o país. Um levantamento, realizado pelo Observatório da Inovação e Competitividade da USP, atesta esse avanço ao comparar os dados num período de 10 anos. Em 2003, dos mais de 40 mil estudantes matriculados nos cursos de Engenharia Civil no Brasil, 21% eram mulheres. Já em 2013, esta média subiu para 28%.
No curso de Engenharia Civil da Unochapecó, implantado em 1997, essa mudança também é visível. De acordo com a coordenação do curso, entre os alunos matriculados nas primeiras cinco turmas, apenas 30% eram mulheres. Hoje, há uma inversão significativa dessa realidade. Dados sobre o ingresso no curso, e até mesmo sobre a sua conclusão, apontam a superioridade das mulheres, especialmente nas últimas cinco turmas, onde elas representam um universo de mais de 60% dos estudantes matriculados. Esse mesmo percentual aparece quando se analisa os dados da turma de formandos do segundo semestre de 2014/2, na qual a maioria veste saia. Dos 22 concluintes, 14 eram mulheres.

Contribuindo para o índice de aumento da presença feminina na Engenharia Civil, está a engenheira Jéssica Possebon, integrante da última turma de formandos da Unochapecó. Ela destaca que sempre sonhou em participar do crescimento em sua volta e que se encantou pela construção civil ainda adolescente, quando passou em frente à uma construção onde havia, presa a um tapume, uma placa com a identificação do engenheiro responsável. Já a engenheira Tatiana Dias Flores, da mesma turma de formandos, lembra que passou a se interessar pela área desde criança. Seu pai, metalúrgico, a levava para o trabalho, deixando-a no escritório de engenharia. A decisão, segundo ela, também teve relação com a boa fase da profissão no mercado de trabalho. “A escolha pela engenharia civil se deu pela ampla área de atuação que esta proporciona, além do cenário atual em que o país se encontra neste setor”, afirma.

Embora a legislação brasileira, em seu artigo 7º, inciso XXX da Constituição Federal de 1988, proíba a diferença de salários e a discriminação trabalhista relacionada ao sexo, idade, cor ou estado civil, quando se observa os gráficos da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), percebe-se que a média salarial das engenheiras, no Brasil, é 14% menor que a dos homens. A base do salário dos engenheiros hoje é de R$ 6.913, enquanto a média das mulheres é de R$ 5.939.
Essa realidade nacional, na visão de engenheiras e de empresas de Chapecó, não é regra na região. Para Tatiana Flores não há privilégio do homem no campo de trabalho local e nem diferenças de funções e de remuneração em razão do sexo. “Ter mulheres no canteiro de obras se tornou comum. Assim como em qualquer outra profissão existem exceções, mas sem dúvida a aceitação está muito maior”, acentua.
Quem também compartilha da impressão de Tatiana é sua colega Jéssica Possebon. A engenheira explica: “Estamos crescendo notoriamente. Saímos dos escritórios e já somos vistas de botinas e capacete nos canteiros de obras. Independente do sexo, acredito que o desempenho profissional componha o salário. Mulher ou homem, nada te impede de trabalhar com vontade, com determinação. Isso sim, influenciará no seu salário”.
Já a engenheira, Endriana Kischner, e professora do curso de Engenharia Civil da Unochapecó, destaca que nunca recebeu tratamento diferenciado ou sofreu algum tipo de preconceito nas empresas em que atuou por ser mulher, mas tem conhecimento de que algumas colegas de profissão passaram por isso. “Algumas empresas pensam que as mulheres servem mais para trabalhar no escritório, com projetos, e que teriam mais dificuldade na execução de obras”, afirma. Como professora, ela procura deixar claro para suas alunas que a mulher, para se firmar na engenharia, precisa demonstrar, a todo momento, seu conhecimento e sua capacidade. “Provando as nossas qualidades, com certeza conseguimos obter sucesso em qualquer área, não só na Engenharia Civil”, conclui Endriana.

Na construtora Grenze, de Chapecó, a presença de mulheres em suas obras faz parte do cotidiano. A funcionária, e também formanda do curso em 2014, Priscila Zamarchi, trabalha nas construções junto com o proprietário da empresa, e afirma nunca ter sofrido preconceito relacionado a gênero. “Já ouvi de muitas pessoas que engenharia é coisa para homem, mas em meu dia a dia, tanto no trabalho quanto na graduação, a presença feminina sempre foi maior que a masculina”, ressalta. Ela entrou na empresa como estagiária e foi conquistando seu espaço, até se tornar funcionária contratada. Essa tendência também está presente na JBW Construções, onde 30% das funções, tanto no escritório quanto nas obras, são executadas por mulheres. A funcionária do setor de Relações Humanas da empresa, Cátia Raquel Stakoski, explica que não há preferências na escolha no momento da contratação, mas já percebeu que, no ramo da engenharia, as mulheres são mais detalhistas e organizadas.
Até meados do século XIX o sistema patriarcal era dominante nas famílias brasileiras. O homem comandava a casa e as mulheres cuidavam do serviço doméstico e dos filhos, sem poderem contestar o marido (patriarca). Segundo o sociólogo Roberto Deitos, somente a partir do século XX, após a Segunda Guerra Mundial, as mulheres começaram a ser inseridas nos espaços profissionais. “O campo industrial, principalmente na Europa, foi sacramentado por causa da guerra, exigindo mão de obra, independente do sexo, para a aceleração do processo industrial e a volta da competição,” explica.

Sociologicamente, o ingresso da mulher fez com que algumas habilidades, específicas do gênero, passassem a ser desempenhadas com igualdade de condições em atividade consideradas masculinas. Para Deitos, o denominador força não é o limitador para impedir a ascensão dentro de uma escolha profissional. “Isso é comprovado, e já se discute o complemento entre habilidades masculinas e femininas dentro de um só segmento”. De acordo com o sociólogo, a tendência é de que se elimine a visão da mulher como mais frágil do que o homem para exercer uma profissão. “O processo é gradativo. Na medida em que as mulheres demostram serem capazes de exercer uma determinada função, os argumentos vão se tornando fracos”, aponta.Os incentivos do governo, com implementações de leis e programas de formação profissional, também fazem com que o cenário mude. Exemplo disso, no Brasil, em 2013, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal aprovou um projeto que altera a Lei de Licitações, para exigir que obras e serviços contratados pelo governo tenham um percentual mínimo de 12% de mão de obra feminina. Quando a alteração for aprovada também pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, este item deverá servir como critério de desempate de licitações, em favor da empresa que possuir, em seu quadro profissional, pelo menos 30% de mulheres.
Entre os programas de aprendizagem, que visam a inclusão da mulher no mercado de trabalho, está o “Mulheres Mil”. Ele chegou ao Brasil em 2007, por meio de uma parceria entre a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec) do Ministério da Educação e instituições de ensino canadenses. Na época, foram implantados 13 projetos-piloto nas regiões Norte e Nordeste, que beneficiaram 1.191 brasileiras entre 2007 e 2010. Devido aos bons resultados, desde 2011, o programa faz parte do Plano Brasil Sem Miséria (BSM) e é desenvolvido em todo o país.

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